A defesa do “modus vivendi” dos índios brasileiros e as “crianças verdes” (2)

Segunda parte de uma série de artigos.

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Leia a primeira parte deste artigo.

O que falta para a formação de novos Estados-nação na América do Sul? Se existem povos com línguas e costumes próprios e territórios demarcados, só falta um cacique proclamar a independência e ter o reconhecimento de uma nação “amiga”. Mas falta também que um cacique tenha o respaldo da sociedade brasileira e internacional para tal intento. E temo que, para isto, já exista um fundamento em construção, amplamente divulgado por organismos internacionais e por boa parte da mídia tradicional sob a forma de bandeiras nobres que se prestam não só à defesa dos indígenas, como também dos animais e das florestas. São pautas que atiçam os incautos anônimos e famosos. O fundamento jurídico já existe, conforme se vê no art. 1º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 do qual o Brasil é signatário, veja:

Art. 1º – “Todos os povos têm o direito à autodeterminação. Em virtude deste direito estabelecem livremente a sua condição política e, desse modo, providenciam o seu desenvolvimento econômico, social e cultural”.

Todos os Estados-nação que falharam na integração dos povos convivem com o fantasma do separatismo ou com o potencial desse possível desejo virar pauta reivindicatória. Veja o caso do País Basco e da Catalunha, ambos na Espanha. E da Escócia em relação à Inglaterra, cuja história do separatismo vem de tempos bem distantes.

E se Bolzano, província autônoma situada ao norte da Itália, resolvesse declarar independência ou mesmo se agregar à Áustria? Fundamento histórico-cultural existe para tal intento. Antes da unificação da Itália em 1861, Bolzano fazia parte do Império Austro-Húngaro e o idioma alemão e a cultura germânica são predominantes na região.

Não esqueçam, ainda, da Chechênia, república da Rússia que sonha com a independência. Por falar em Rússia, lembrei da ex-URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). A queda da URSS também teve uma contribuição do fato de os diferentes povos, compulsoriamente agregados, não terem sido assimilados, a despeito de o partido comunista com sede em Moscou ser o detentor do poder militar. É óbvio que também a inviabilidade de uma economia planificada ajudou a manter os diferentes povos em constante estado de separatismo.

Também não nos esqueçamos da artificial Iugoslávia. Estado que agregava compulsoriamente vários povos, mas que desapareceu tão logo ficou insustentável o modelo econômico socialista.

E o que dizer dos inúmeros países africanos que abrigam um caldeirão de culturas? As antigas rivalidades culturais são responsáveis por um constante estado conflituoso, impedindo que as variadas nações se entendam umas com as outras. E se cada nação africana resolvesse declarar-se independente? Em Moçambique, por exemplo, já foram identificadas pelos menos 46 línguas para uma população de 31 milhões de habitantes (2019). O português é conhecido por aproximadamente metade da população.

Na Nigéria, ex-colônia britânica, país mais populoso da África (195 milhões de habitantes em 2018), pasmem, são 510 línguas vivas! O inglês foi decretado como língua de unidade nacional e é falado por pelo menos metade da população.

Também na Ásia a questão étnica está muito presente. Na Índia, por exemplo, são 22 línguas oficiais, sendo que o inglês e o hindi são línguas oficiais em âmbito federal. Calcula-se pelo menos 150 línguas faladas na Índia. A BBC News Brasil (nov/2017) noticiou a descoberta de 780 línguas. Convém informar que a Índia tem uma população de 1 bilhão e 296 milhões de habitantes (2018).

Para quem pensa que todos na China são “irmãos”, o país tem uma história de 56 etnias. A etnia Han constitui a maioria da população chinesa, pouco mais de 91%. No poder desde 1949, a etnia Han impôs sua língua, o mandarim, para o restante da população. Mas as outras 55 minorias ainda usam sua própria língua. Algumas se comunicam em vários idiomas. Dados de 2019 indicam que a China já conta com 1 bilhão e 400 milhões de habitantes.

Mas onde quero chegar com tantos devaneios étnicos e linguísticos? Quero lançar um palpite que parece teoria da conspiração. Por que ainda não surgiu uma pauta de reivindicação pela independência de povos indígenas da Amazônia?

Porque as nações ricas, principalmente as europeias, ao reconhecerem a autodeterminação de um povo, temem abrir uma caixa de pandora, precedente que poderia incentivar o surgimento de inúmeros conflitos pelo poder político em nações africanas e asiáticas. Isto geraria instabilidade mundial sem controle, tendo em vista que comprometeria futuras explorações dos recursos naturais tão necessários à perpetuação do “modus vivendi” dos povos das nações ricas. Mas, talvez o maior temor dos europeus sejam as futuras grandes ondas migratórias de refugiados em direção à Europa, que já é um grande problema na atualidade e ainda pode ser potencializado com novos conflitos separatistas.

Também não se pode descartar eclosões de conflitos dentro da própria Europa com o ressurgimento de movimentos separatistas até de nações já praticamente assimiladas, dentre outras cujas línguas e costumes estão muito presentes no cotidiano das pessoas.

É necessário encontrar outra estratégia para defender os povos indígenas da Amazônia sem dar a eles uma “solução” pelas vias da independência política.

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