Educação Clássica e o atual contexto educacional

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Para começarmos esta exposição, é necessário definir o que é educação. O Pe. Bethléem (2017) apresenta a palavra latina educere para afirmar que educação é “despertar do sono e da letargia das faculdades adormecidas, é dar a vida, o movimento e a ação a uma existência ainda imperfeita” (BETHLÉEM, 2017, p. 20). Outra definição do mesmo autor afirma que a educação é o ato de enobrecer a alma, os sentimentos, os pensamentos, o caráter, etc[1]. Atualmente, muito se fala sobre educação integral, mas o que será que isso significa, afinal?

A arte de cultivar, exercitar, desenvolver, fortificar e polir todas as faculdades físicas, intelectuais, morais e religiosas, que constituem nas crianças a natureza e a dignidade humanas; dar a estas faculdades uma perfeita integridade; elevá-las à plenitude de sua força e de sua ação. […] Eis a obra e o fim da educação. (BETHLÉEM, 2017, p. 20)

Prestemos a devida atenção nos termos utilizados acima para demonstrar o que significa educação integral[2]:

Cultivar: cuidar e zelar pelo bom crescimento ou desenvolvimento das faculdades humanas.
Exercitar: não só promover o aperfeiçoamento das capacidades, mas dar os meios de ação ao educando.
Desenvolver: promover o bem através das virtudes humanas.
Fortificar: desenvolver o indivíduo com valores consistentes para fortalecer o seu caráter.
Polir: aperfeiçoar a natureza humana, extraindo dela o que tem de melhor, por meio do bem e das virtudes, para que o educando viva plenamente.

Portanto, a educação para ser completa e eficaz deve abranger o homem completo (corpo e alma) como um ideal apontado pelos antigos: alma sã num corpo vigoroso[3]. Ter uma alma sadia é possuir uma inteligência bem formada, além de uma vida moral despojada de vícios e enriquecida de virtudes. E é justamente por esta perspectiva que se entende que a educação integral compreende cuidados físicos, ensinamento intelectual, disciplina moral e uma formação religiosa[4].

E é justamente por considerar esta percepção da natureza do processo educacional que se percebe o motivo das instituições de ensino se preocuparem tanto em cuidar de coisas que estão além do desempenho intelectual ou da instrução formal.

Princípios norteadores da Educação Clássica

A filosofia grega possuía uma definição antropológica da natureza humana bem definida. Isso é perceptível na obra de Aristóteles, na qual a “a plenitude da vida humana se encontrava na vida da inteligência[5]”, segundo a afirmação deste filósofo “o que é próprio de cada um por natureza é também o mais excelente e o mais agradável para cada um[6]”. Ou seja, existem capacidades, talentos, potências que são próprias de cada indivíduo. Por esse motivo, não se pode exigir um padrão ou forma para que cada personalidade se encaixe, porque não vai funcionar.

Qualquer proposta educacional que tenha como foco apenas o emocional, a satisfação dos desejos, a satisfação do educando, a satisfação das vontades, o hedonismo etc. fracassará miseravelmente, porque alcançará o indivíduo parcialmente, deixando o processo educacional mutilado. O conceito de felicidade (eudaimonia) – segundo a filosofia grega – se dava na contemplação de um bem absoluto, nutrido da contemplação da verdade e na prática da virtude[7]. Ou seja, os gregos estavam preocupados com o aperfeiçoamento integral do indivíduo, através de uma perspectiva que seria transcendente, ou seja, que iria além dos desejos ou vontades pessoais. Essa transformação só seria possível no exercício cotidiano das virtudes.

Inspirados nessas ideias aristotélicas, MacIntyre afirmou que o aprendizado das virtudes nos ajuda a obter autodomínio, a viver de forma mais racional. Esse processo educacional se orientará segundo critérios objetivos e provenientes da tradição cultural. Sem as virtudes presentes em nosso cotidiano, a ação humana não resistiria ao poder corruptor de algumas instituições que não promovem um aperfeiçoamento integral do homem[8].

Portanto, a falta de exercício das virtudes é o que poderia justificar as desordens morais que se evidenciam no país e no mundo, o que demonstraria a necessidade de haver critérios objetivos que possam indicar o que é uma vida virtuosa[9]. Por isso, é importante entender que:

“ao contrário do emotivismo, a vida ética é ressaltada segundo a indispensável adequação do comportamento de cada indivíduo a critérios que são provenientes da tradição cultural e que devem ser aprendidos de modo a construírem uma habilidade prática.” (MALHEIRO, 2017, p. 48)

Ou seja, a virtude é algo que se adquire por meio de prática, tornando-se um hábito a ser adquirido desde a infância. Mesmo não sendo inata, se torna necessária para que uma transformação das potências humanas (inteligência, vontade e afetividade) que, por sua vez, facilitaria e aperfeiçoaria nossa a capacidade de escolha e as ações humanas. Porém, essas potências humanas não podem ser consideradas separadamente, porque há entre elas uma interdependência e uma evidente complementaridade. Em suma, ao se ignorar essas capacidades, entender equivocadamente suas funções ou uso, ou considerá-las isoladamente pode-se provocar aquilo que se percebe hoje nas instituições de ensino: pessoas desestruturadas[10].

Contribuições da educação clássica nos tempos atuais

A figura do pedagogo, desde a Grécia Antiga até o fim da Idade Média, já apresentava características muito semelhantes ao preceptor atual, sua ação variava de acordo com o contexto educacional (ou escolar) em que se encontrava em cada período histórico. Porém a perspectiva educacional, em meados dos séculos XV e XVI, tomou outros rumos, influenciada pelas drásticas mudanças sociais, políticas, filosóficas etc. Além disso, houve uma verdadeira deformação da percepção antropológica, especialmente sob as teorias de Rousseau, Kant e Nietszche que influenciaram diretamente no processo educacional, provocando muitos dos problemas que se percebe atualmente no contexto educacional[11]:

[…] O mais trágico deles foi a desintegração das potências humanas da inteligência, vontade e afetividade dentro da pessoa humana. E a consequência mais imediata foi o enfraquecimento do correto funcionamento da natureza humana e a sua decorrente necessidade da preceptoria. (MALHEIRO, 2017, p. 22).

Por essas razões, a atuação do preceptor – dentro de seus respectivos contextos históricos – foi desaparecendo. Os motivos para a atuação do preceptor, segundo Malheiro (2017) estão presentes nos seguintes problemas:

  1. Na percepção equivocada da natureza humana;
  2. Na ideia de como se desenvolve o processo educacional;
  3. No entendimento da real função do educador;
  4. Na percepção da boa autoridade educativa.

Sem estes elementos não existe o processo educacional integral[12].

Afinal, o que é preceptoria?

Desde o séc. XVI, a preceptoria é considerada como o ato de dar preceitos ou instruções. Trata-se de uma espécie de educador, mentor[13] ou tutor[14]. A diferença entre as definições já citadas é que também esse termo designava a atividade de alguém que fazia esse trabalho individualmente, na casa do educando. Portanto, trata-se de uma educação mais personalizada[15].

O que é preciso para ser um bom preceptor?

Para que o educador tenha êxito em seu papel de preceptor, ele deverá ter algumas qualidades pessoais que são necessárias para que sua atuação seja efetiva e alcance seus objetivos:

1) assumir os valores que pretende transmitir;
2) transmitir e inspirar confiança;
3) respeitar a iniciativa e liberdade dos educandos;
4) ter disponibilidade;
5) ser um professor respeitável e competente;
6) ser justo, exigente e imparcial[16].

Por isso, além das qualidades pessoais indicadas acima, o preceptor deve também:

  1. conhecer bem os seus alunos;
  2. saber contribuir com todos e com cada um deles;
  3. potencializar os líderes positivos;
  4. tirar o máximo proveitos dos conselhos de classe;
  5. atender bem os familiares dos educandos[17].

São muitas exigências, como se pode ver, mas o resultado do trabalho de preceptoria é fundamental para que, de fato, seja possibilitado um modelo educacional que promova concretamente a educação integral. Sabe-se que o desafio é grande e que as instituições de ensino deveriam passar por algumas adaptações em sua estrutura pedagógica, cronogramas etc. Porém, pela experiência que tenho com essa atividade de preceptoria, afirmo sem pestanejar que este é um caminho seguro para que seja feita uma necessária reforma educacional. Falarei mais sobre a preceptoria em outro momento… Aguardem!


[1] BETHLÉEM, 2017, P. 20

[2] Ibid., p. 21-22

[3]Orandum est ut sit mens sana in corpore sano.” (JUVENAL, Sátira X)

[4] BETHLÉEM, 2017, P. 22

[5] MALHEIRO apud ARISTÓTELES, 2017, p. 46

[6] Ibid., p. 47

[7] ARISTÓTELES, 2001, 1099b.

[8] MALHEIRO apud MACINTYRE, 2017, p. 47

[9] MALHEIRO, 2017, p. 48

[10] Ibid., p. 53

[11] MALHEIRO, 2017, p. 22

[12] Ibid.

[13] O mentor é uma pessoa mais experiente que orienta e encaminha alguém mais jovem. Essa orientação tem como objetivo preparar o indivíduo para as dificuldades da vida e da profissão. Seria uma espécie de conselheiro, guia ou sábio que “estimula, inspira, cria ou orienta idéias, ações, projetos e realizações. (cf. MALHEIRO, 2017, p. 24)

[14] O tutor […] é aquele que se preocupava em ensinar o aluno os métodos de aprendizagem. No séc. XIII, o papel da tutoria estava relacionado com defesa, proteção, curadoria, dirigente[14]. Ou ainda, […] alguém que presta uma especial atenção e ensina para pequenos grupos. (cf. MALHEIRO, 2017, p. 23-24)

[15] MALHEIRO, 2017, p. 25

[16] MAÑU, 2017, p. 24

[17] MAÑU, 2017, p. 26

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