O que é ser conservador?

Uma breve introdução sobre o tema.

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Em 2016 o professor Sir Roger Scruton foi nomeado como Cavaleiro Celibatário do Império Britânico. (Foto: Dominic Lipinski)

Começarei esse texto fazendo uma triste, mas real, afirmação: falta rigor em nossa forma de pensar, nos expressar e agir!

Qual o motivo dessa afirmação?

Nos debates atuais assistimos uma clara ausência de argumentos, fundamentos, referências bibliográficas e, não menos importante, objetividade!!!

Sim, porque a inclusão digital nos fez perder aquilo que caracteriza um intelectual em sua definição original: alguém que possui notável inteligência, equilíbrio e opiniões contundentes. Confunde-se tal definição com qualquer polemista (vulgo “treteiro”) que apareça por aí nas redes sociais.

Pois bem, o Conservadorismo apresenta princípios e valores que formam e orientam as bases da atuação política, considerando as particularidades do contexto social. Porém, para que a ação política seja eficaz, se faz necessário um pensamento consistente. Ou seja, o pensamento bem orientado será o norteador da ação política, contudo não há pensamento bem construído sem um conjunto sólido de conceitos, valores, princípios e uma visão geral do contexto social.

A crítica às ideologias

“[T. S. Eliot] percebeu que é precisamente nas condições modernas – de fragmentação, heresia e descrença – que o projeto Conservador adquire seu sentido.” (SCRUTON, Uma Filosofia Política: Argumentos para o Conservadorismo, p. 194).

Os conservadores devem fazer forte oposição às ideologias, por conta da sua alta capacidade de alienação dos indivíduos. Essa postura já descarta o próprio Conservadorismo como uma ideologia (como dizem por aí), pois ao aderir uma postura cética frente aos dogmatismos racionais produzidos pelas ideologias, além de seus “projetos utópicos”, foge dos esquemas (de discurso e comportamento) que geralmente acompanham a militância alienada.

Valorização do Passado

“[…] Assim como Burke, Eliot reconhecia a distinção entre uma nostalgia retrógrada, que é apenas uma outra forma de sentimentalismo moderno, e uma tradição genuína que nos dá coragem e visão com as quais viver no mundo moderno.” (SCRUTON, Uma Filosofia Política: Argumentos para o Conservadorismo, p. 194).

A distinção mais básica que se pode fazer entre Conservadores e revolucionários em relação aos acontecimentos passados, além do que está exposto acima, é essa:

Revolucionários: ligados ao passado por uma nostalgia utópica.

Conservadores: vivem integralmente no presente, aceitando suas imperfeitas circunstâncias como única realidade possível.

Dessa forma, pode-se concluir que os Conservadores entendem o passado como um precioso reservatório de experiências sociais, que permite preservar os valores e tradições que surgiram naturalmente e sobreviveram à ação do tempo. Em suma, preservar apenas “aqueles arranjos sociais que conduzem para uma vida melhor.” (cf. COUTINHO, As Ideias Conservadoras explicadas a Revolucionários e Reacionários, p. 57-59).

Mas isso não parece também um apego subjetivo ao passado?

Pode parecer, mas não é. Porque junta-se aquilo que foi preservado, construído e reformado ao longo dos anos, ao que é bom e existente no presente. Essa junção provoca uma dura oposição aos planos e esquemas fabulosos de um futuro incerto, que põem em risco as conquistas humanas já existentes. Portanto, os Conservadores defendem virtudes reais, não valores virtuais ou hipotéticos.

Conservadorismo × Liberalismo

Na década de 70, Sir. Scruton fez uma dura crítica ao Partido Conservador (no governo Thatcher) porque estariam adotando políticas neoliberais, tomadas como incompatíveis com os valores e tradições estabelecidos (cf. COUTINHO, As Idéias Conservadoras explicadas a Revolucionários e Reacionários, p. 16).

Estaria sendo ele muito radical em seus princípios?

Parece que não, porque Enoch Powell e Sir. Keith Joseph foram mentores de Thatcher, sendo o segundo um dos fundadores do Centro de Estudos Políticos, que tinha como objetivo “converter o Partido Conservador ao Liberalismo econômico.” (Cf. Centre for Policy Studies, UK).

O governo Thatcher, sob orientação de Sir. Joseph, aplicou um conjunto de políticas públicas que livraram a Inglaterra do caos político, econômico e social dos anos 70.

Sir Scruton via com muita desconfiança essa guinada liberal na política conservadora, porque contrariavam os princípios e valores que norteavam o Conservadorismo. Os Conservadores, por sua vez, deveriam manter a ordem social, protegendo os cidadãos das instituições frágeis e da redução da sociedade ao aspecto econômico. Tal preocupação era legítima, porque o liberalismo econômico tende a assumir o papel cultural e político de reduzir os indivíduos ao que eles produzem. Em suma, o Conservadorismo deve ser contra a instrumentalização ideológica do livre mercado e a sua primazia no debate político.

Como resolver esse problema?

Se as mudanças no cenário econômico são inevitáveis, deve-se garantir que os indivíduos tenham sua autonomia preservada nas relações comerciais, sem grandes intervenções do Estado. Porém, essa mudança na economia deveria ser espontânea, orgânica, sedimentada, progressiva e prudente, sem radicalismos. Ou seja, o governo deve ter, por princípio, o respeito à natureza humana, para que sua capacidade produtiva seja utilizada como meio de possibilitar uma melhora de condição para os indivíduos (cf. COUTINHO, As Idéias Conservadoras explicadas a Revolucionários e Reacionários, p. 16).

“Conservadorismo raiz”

Em 1913, o conservador Arthur Boutwood fez uma crítica legítima aos seus pares. Segundo ele, os Conservadores estavam agindo apenas de forma reativa, se esquivando da responsabilidade de assumir o protagonismo no desenvolvimento político… Agir era necessário! Se fixar numa postura puramente reacionária, era se apequenar e se distanciar da elite política.

Logo, percebe-se que a polemização faz com que os debates se limitam ao seu aspecto mais superficial, rasteiro, pueril.

Qual a solução, afinal?

Dar uma resposta propositiva aos problemas que se percebe, marcar posição, reforçar e restabelecer os vínculos, especialmente num período de grandes desafios e transformações sociais (qualquer semelhança não é mera coincidência!).

Aqueles que se pretendem Conservadores devem propor uma força constante, para que se desenvolva uma sociedade livre e correspondente às exigências que são próprias da natureza humana. (cf. HAILSHAM, O Caso do Conservadorismo, p. 16).

Deve-se, portanto, conhecer e ter familiaridade com aquilo que existe e é benéfico:

“Ser Conservador, portanto, é preferir o familiar ao desconhecido; preferir o experimentado ao não-experimentado; o fato ao mistério; o real ao possível; o limitado ao ilimitado; o próximo ao distante; o suficiente ao superabundante; o conveniente ao perfeito; um presente alegre a uma felicidade utópica.” – Michael Oakeshott, in Rationalism in Politics and Other Essays, p. 408.

Uma das críticas mais comuns que se faz ao Conservadorismo é o medo da mudança. Porém, a posição dos Conservadores é de aversão àquelas mudanças que provocam sofrimento, perturbações, privações, incômodos etc. Atitudes que privam os indivíduos de conquistas alcançadas, de conhecimentos assimilados, de descobertas desfrutadas ao longo dos anos. Em suma, o Conservadorismo faz ferrenha oposição aos que impedem de usufruir daquilo que nos pertence, que nos é familiar (valores, convicções, tradições, cultura etc.), porque isso sim é um tremendo e desastroso retrocesso.

Fiquem atentos e recusem imitações


Fonte: SCRUTON, Roger. O que é Conservadorismo?, pp. 08-18.

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