Hoje quando se fala em cidade só pensamos no seu aspecto físico. Lembramos imediatamente da nossa cidade ou de outras, e assim vamos traçando características sensoriais do município. Isso se dá pois há um completo esvaziamento do sentido de município tanto no aspecto político quanto filosófico. A ignorância do povo e a corrupção dos governantes, são fatores determinantes para o fim da ideia correta de município.
Mas enfim o que é o município? Para que serve e como deve ser interpretado? Para essas e outras dúvidas usaremos nesse trabalho a obra Iniciação a teoria do estado, de José Pedro Galvão de Sousa. Ilustre jurista brasileiro, fundador da Universidade Católica de São Paulo, Galvão de Sousa se inspirou em Aristóteles e São Tomás de Aquino. Podemos dizer que o autor foi um dos que mais compreenderam a interpretação de São Tomás de Aquino a Aristóteles e que ele captou muito perfeitamente o pensamento político do santo doutor.
Na Mesopotâmia e Egito Antigo vemos uma prévia do que seriam as cidades-Estados da Grécia. Atenas era uma cidade poderosa e bem estruturada, entretanto não é esse o municipalismo que queremos defender neste trabalho. Na civilização antiga não temos condições de instalar esta teoria que defendemos. Entretanto na idade média há bons exemplos e uma estrutura considerável para a compreensão de município. As beetrias da península ibérica, as comunas francesas, os burgos germânicos, as cidades livres italianas ou os concelhos portugueses, estes últimos servindo de modelo aos municípios brasileiros da Colônia ultramarina.
Todos esses exemplos da Idade Média tinham uma estrutura orgânica e uma sociedade com grupos definidos, independentes e que formavam a identidade do município. Não havia supressão por parte do monarca às pequenas sociedades. As tradições familiares, religiosas e municipais eram parte da cultura comum, assim tudo que fosse do cotidiano dos municípios era parte também da cultura nacional. A sociedade é feita de sociedades, isso explica a adoção das culturas comuns ao invés da supressão, da massificação ou do falso respeito por meio da mistura cultural, que é supressão afinal.
“A assembleia de homens livres era o núcleo da vida municipal. Tem uma origem germânica, originando-se das reuniões convocadas nas florestas pelos povos bárbaros quando ainda no primitivo nomadismo.” José Pedro Galvão de Sousa
Após as invasões bárbaras ao Império Romano e a queda deste, o Cristianismo teve papel fundamental para a reestruturação do município. As divisões no território das paróquias, hoje chamadas de jurisdição eclesiástica, tiveram grande importância para a ideia de divisão dos grupos e demarcação da terra. Posteriormente, encontramos, ainda, os comícios de aldeia entre os povos saxões, onde cada town é uma imagem do município.
Na identidade nacional verificamos a importância do município. A cidade de São Vicente, fundada por Martim Afonso de Souza, foi a cellula mater da nacionalidade. “Aos municípios brasileiros se aplicaram os mesmos princípios jurídicos que desde tempos imemoriais disciplinavam os concelhos portugueses, e na vida local das vilas se concentravam as atividades do novo Estado”, segundo Galvão de Sousa.
Hoje não conseguimos detectar a importância do que deve ser o município, pois o Direito Público moderno deformou nossa vista, assim tudo o que é de importância para a nação a ser simples ideologias que devem ser respeitadas como verdades, enquanto que a verdade é negada e o erro afirmado. O município agora só tem função administrativa. Vivemos um caos dos diabos.
A ideia de o município ser célula política é uma exclusividade do municipalismo, apenas nele temos tão bem representados os costumes e a maneira de ser dos povos, assim podemos considerá-lo uma comunidade vital, uma peça autônoma e original na engrenagem nacional. Verdadeiramente, apenas o municipalismo é representação da vontade do todo.
Muito se fala da rica cultura brasileira e de seus vários estilos, mas quando se vai representar essas coisas sempre temos uma definição pronta, já apontamos o gênero musical “X”, o esporte “Y”, e assim por diante. Isso destrói a célula que sustenta a originalidade das sociedades. Com tantos municípios, culturas e estilos, unificar tudo em uma massa homogênea é sem dúvidas deformar a criatividade e a tradição de um povo.
Pode-se pensar que o municipalismo é como o sistema patriarcal de Abraão e seus descendentes. Entretanto eu diria que é algo que transcende ainda mais, pois várias culturas distintas podem ser afirmadas em uma sociedade, sem elas se misturarem, de modo que a cultura principal não é afetada e os de costumes diferentes não são excluídos. Esse sistema já é superior ao atual, onde a minoria impõem-se à maioria e que não há inclusão de verdade.
Encerro este texto com um pouco de insatisfação, primeiro por ver um sistema tão eficiente ser condenado ao esquecimento e ao descrédito, e depois por não conseguir desenvolver o tema de maneira tão ampla como eu gostaria! Todavia espero que este seja o pontapé no conhecimento de muitos a respeito do municipalismo e da figura de José Pedro Galvão de Sousa.