Discriminação, preconceito e fobia

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Reportagem publicada originalmente em 12 de janeiro de 2015.

A afirmação que “o Brasil é o campeão de mortes da comunidade LGBT” — tão comuns entre progressistas — é amplamente difundida; porém ela é correta e precisa? Grande celeuma foi criada quando em 2014 o então candidato à presidência Levy Fidelix afirmou que “não pretende estimular a união homoafetiva, mas quem têm esses problemas devem ter sua necessidades psicológicas e afetivas atendidas”, e foi taxado de homofóbico. Contudo, tal atitude foi homofóbica?

Crimes de ódio

A Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH) produz desde 2011 o Relatório Sobre Violência LGBTfóbica recorrendo a numerosas fontes para compilar casos registrados no país a cada ano, contudo o próprio documento reconhece que são escassas as fontes de dados confiáveis sobre o assunto.

Luiz Mott, que é antropólogo, historiador, fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB) – a primeira instituição em prol dos direitos gays no Brasil – e integrante do grupo de trabalho para discutir a metodologia de análise de dados de homofobia do Governo Federal, admite que de fato não existem estatísticas referentes a crimes de ódio no Brasil: “não se sabe aqui quantos homossexuais, membros do candomblé ou índios foram assassinados, não se tem esse levantamento”.

O Secretário de Direitos Humanos da Procuradoria-Geral da República, Ailton Benedito, relembra uma estatística que explica a falta de levantamentos no Brasil a respeito do perfil das vítimas de todos os tipos de grupos de identificação: “60 mil brasileiros assassinados por ano, 500 mil na última década, 460 mil nunca foram investigados, denunciados e punidos”, comentou em seu Twitter.

Os dados sobre assassinatos de gays, travestis e lésbicas são organizado por ONGs LGBTTs através de informações provindas principalmente da imprensa e, nos últimos anos, até mesmo de redes sociais: “No começo a busca era feita só em jornais e revistas, e nos últimos anos nós pesquisamos também no Google, de modo que é um levantamento extremamente amplo e certamente é subnotificado. Muitas vezes nós recebemos informações por telefone de pessoas gays de outros estados que nos informam sobre assassinatos que não foram documentados na mídia e que eram homossexuais vítimas de crimes homofóbicos”, explica Mott. Ele porém não menciona se a veracidade de cada dado é confirmada antes das informações serem adicionados ao relatório de violência motivada por homofobia.

O Centro de Referência Estadual da Igualdade (CREI) trabalha na averiguação e atendimento das denúncias no Estado de Goiás feitas pela ouvidoria do MDH, o Disque 100, mas também atende às notificações feitas por outros meios: “sendo homofobia, ou que pelo menos tenha essa configuração, assim que chega até a Gerência LGBT através do nosso perfil no Facebook a gente já está atuando. Nós não ficamos aguardando vir do Disque 100”, declara Darlington de Oliveira Barros, gerente especial de Políticas da Diversidade da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social*.

Ele assume que independentemente do que é apurado pela Polícia Civil ou da configuração da violência, é contabilizado como homofobia qualquer crime que um homossexual, transexual ou travesti seja a vítima: “a gente sabe que um homossexual muito provavelmente sofre por causa da interrelação com a homofobia internalizada que as pessoas carregam. A gente considera que crimes passionais e latrocínios tem como motivação a homofobia, mesmo que tenha sido cometido por outro homossexual”, avalia Darlington.

Discriminação e homofobia

Shouzo Abe, psicólogo perito criminal, comenta que a nossa sociedade hoje está passando por uma considerável transição sexual: “Até pouquíssimo tempo atrás o gay tinha que ficar escondido para não incomodar ninguém, hoje nós saímos do 8 para o 80, agora tem que ser tudo liberado, tem que aceitar tudo, tem que ser tudo muito bonito, agora pode tudo, e tudo o que o gay sofre é homofobia. Eu acredito que não é bem assim”, argumenta.

Para Abe, pode ser considerada homofóbica a pessoa que se incomoda com a manifestação pública da homossexualidade de alguém. Porém quem manifesta opinião contrária ao comportamento não pode ser considerado homofóbico: “Se você fala que não concorda, é uma opinião sua. Não significa que haja uma aversão por tudo que não se gosta”, enfatiza.

O psicólogo avalia que a conversa entre hetero e homossexuais ainda está muito na defensiva: “o hétero ainda não vê os homossexuais com os mesmos direitos e o homossexual acha que o hétero é sempre homofóbico”, alerta.

Estatísticas da homofobia

O escritor e especialista em Políticas Públicas, Claudemiro Soares Ferreira, adverte que todo dado no Brasil acerca da homofobia é gerado por entidades que não têm isenção sobre o tema, o que compromete a credibilidade da informação: “No Brasil quem tem autonomia para produzir dados são os órgãos oficiais como IBGE, IPEA ou algumas entidades com credibilidade pública e notória como Fio Cruz, FGV”, considera.

Ele lembra que apenas juízes – nem mesmo os promotores – têm competência para tipificar um crime: “O grande problema desses dados é que quem os classifica não são criminalistas, mas os próprios presidentes das ONGs LGBT. Como ninguém questiona ou audita os dados, eles ficam como se fossem verdade”, revela. Para Claudemiro, estatísticas geradas por quem se beneficia diretamente delas, não deveriam ter nenhum valor científico.

“Em Brazlândia (DF), cidade onde moro, um homossexual matou seu parceiro e depois se matou. Porém antes de concluídas as investigações, as mortes foram colocadas na conta da homofobia, só depois que se descobre que se tratou de um crime passional: homicídio seguido de suicídio. Uma vez que a morte do homossexual é contabilizada como homofobia, depois ele não é tirado mais. A cultura da vitimização interessa ao movimento homossexual, porque quanto mais eles se mostrarem como vítimas mais verbas públicas irão para as suas ONGs”, constata o auditor.

Um estudo publicado em maio de 2019 analisou os casos de 2016 que deram origem às estatísticas de violência LGBTfóbica no Brasil referentes àquele ano, e concluiu que os dados oficiais a respeito deste tipo de violência são inflados, com apenas 9% do total podendo ser considerado confiável.

Violência contra os homossexuais

Abe declara que a criminalidade não tem um fator único e que se um criminoso está sob efeito de álcool ou outras drogas ele não tem muitos parâmetros para escolher sua vítima. O psicólogo perito criminal garante que a análise da motivação de um crime é muito complexa: “todo crime tem vários aspectos e depende do contexto no qual o criminoso está inserido e na necessidade momentânea dele”, alega.

Joide Miranda, que por cerca de vinte anos viveu como travesti no Brasil e na Europa, assegura não ser comum que um homossexual tenha condutas consideradas homofóbicas. Ele ressalta que “há uma certa rivalidade entre as pessoas que estão homossexuais, entre eles há ciumes e constantes disputas por poder e por beleza”, mas não aversão à homossexualidade, aponta.

Quanto às travestis que sofrem agressão enquanto trabalham, Miranda esclarece que os atos de violência que elas sofrem são muitas vezes influenciados pelo comportamento agressivo que elas próprias têm, e não em virtude da orientação sexual: “Provavelmente por causa das experiências que elas já passaram, várias delas já sofreram muitos tipos de rejeição na vida, a maioria das travestis que se prostituem são totalmente agressivas e violentas”, observa.

De acordo com o Mapa da Violência — levantamento feito com base em declarações de óbito e boletins de ocorrência policiais — da Unesco, em média 109 mulheres e 791 negros são assassinados no Brasil a cada semana. No mesmo período, 6 pessoas gays, lésbicas e transexuais teriam sido mortas, segundo dados do GGB repercutidos pelo Governo Federal.

Julio Jacobo Waiselfisz é o sociólogo autor do Mapa da Violência e já exerceu as funções de consultor e especialista em diversos organismos das Nações Unidas. Ele frisa que “por dia, no Brasil, em 2012*, morreram em média 145 pessoas todos os dias do ano. [A morte de] 6 por semana é pouca coisa comparado com a quantidade de [todas as demais] mortes” analisa. “No Brasil, por dia morrem [o equivalente a] 1,4 massacres do Carandiru vítimas de homicídio, e ninguém se pronuncia frente a isso”, afirma.

Ele destaca que, antes de se discutir as mortes de determinados grupos, é necessário diminuir o índice de homicídios no país, visto que no Brasil – um país que não tem conflitos de fronteira, étnicos-raciais ou religiosos – morrem muito mais do que em qualquer conflito armado no mundo. Para ele, os homossexuais sofrem violência e chegam a ser vítimas se assassinato porque “morre muita gente no Brasil, incluindo gays, crianças, idosos. Morrem de todas as categorias, não só porque são gays” salienta.

*Reportagem publicada originalmente em 12 de janeiro de 2015.

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